sexta-feira, 7 de março de 2014

Não me dê flores, me dê respeito!


Durante grande parte da minha vida eu achei bacana o gesto de receber flores no dia 8 de março. Afinal, que ruim há nisso? O que simples flores poderiam representar? “É gentileza”, pensava. Sequer quis questionar o que havia por trás daquilo.

Essa atitude é comum demais. Compartilham nas redes sociais e na vida real elogios vazios sobre a beleza feminina. Ou como somos emotivas. Ou como a maternidade é algo sublime. Blogs fazem posts enormes com fotos de flores, de mulheres sorrindo. Exaltam a feminilidade, segundo um pensamento muito torto.

Torto?, perguntariam alguns. Sim, torto. Difícil reconhecer isso. Eu mesma demorei muito tempo (duas décadas) para entender que não há características naturalmente femininas.

Também entendia que a luta do feminismo era algo ultrapassado, exceto em algumas culturas em que ainda se cortam clitóris ou em que a mulher não pode votar. Eu, moradora de uma cidade pequena, crescida dentro de uma doutrina protestante, e aos poucos vendo no meio social a defensiva que fazia sobre a mulher, defendendo o perfil ideal de ser recatada e preparada para casar, a mulher como ser maternal, a dona de casa (e apenas), e a “virtude” da mulher em ser submissa ao seu marido e enfim (o que eu via). E, então, no ‘mundo’ aqui fora percebi mais ainda as desigualdades, achava que devia mesmo era me conformar. Via como absurda a ideia de que nós éramos responsáveis por lavar a louça ou coisas “pequenas” assim; só que eu entendia isso como algo isolado, e não como o padrão de comportamento de toda a sociedade.

Esqueci de todas as vezes em que tive vergonha de tomar sorvete em público. Tomava, mas evitava a troca de olhares com qualquer ser.

Esqueci de todas as vezes em que tive medo de andar sozinha, mesmo sem estar com dinheiro ou outro objeto de valor. Andava e bem depressa ao notar algum homem chegando perto de mim.

Esqueci de todas as vezes em que tive a sensação de estar sendo “bolinada” em transporte público, nas ruas, nas festas só porque (eu então achava) estava de saia curta ou com uma blusa decotada. "A culpa era minha, afinal."

Esqueci das vezes que fui mal falada por estar na mesa de um bar com minhas colegas. Das vezes em que fui agredida por "supostos" homens que entendiam que ao estar bebendo era um convite para sair e das tantas em que disse um não e entenderam como "está se fazendo de difícil" e insistiram até eu precisar chamar o dono do bar e precisasse acusar de levar até na delegacia mais próxima (sabendo que não daria em nada).

Esqueci de todas as vezes em que muitas mulheres, perto de mim até, foram xingadas de putas porque decidiram ser mães solteiras, se separaram inúmeras vezes e ficaram com homens mais velhos.

Esqueci de todas as vezes em que eu e tantas outras mulheres fomos rotuladas de putas, de vadias, de sem classes, de cachorras, (ainda que sem palavras ditas em voz alta) por ter exibido uma foto sensual ou ter ficado com tantos carinhas e ter feito sexo antes do casamento ou no primeiro encontro. “Como assim ela fez sexo no primeiro encontro”? (Respondo rapidamente: Que porra é essa? Vocês acham que mulheres não transam?)

Esqueci. Esqueci. E só que aí...

Quando entrei no curso de ciências sociais entrei com a ideia fixa de queria entender essa desigualdade, embora nunca passasse na cabeça que  fosse uma "lógica" criada social e culturalmente, foi então que procurei saber mais. Li, estudei, conversei. Escrevi diversas defensivas. (Uns podem ler aqui e aqui). Vi situações que não acontecem só lá do outro lado do mundo; que aqui, agora, nós continuamos sendo oprimidas o tempo todo, por todo mundo, até por nós mesmas.

Porque o feminismo não é uma luta só das mulheres, assim como o machismo não se aplica apenas aos homens. Acho mais difícil de entender uma mulher machista (ela sofre na pele, porque todas sofremos, não se engane) o preconceito e todas essas coisas pequenas do cotidiano que citei acima. Como não parar para pensar a respeito e se rebelar contra o sistema?

Não digo que você precisa sair às ruas e “queimar sutiãs”. Mas reconheça a luta histórica do feminismo, nem que seja no dia em que relembramos os fatos. Mude a forma como educa seus filhos: pare de dar para sua filha brinquedos que imitam tarefas domésticas, por exemplo. Pare de exigir que tenhamos corpos “perfeitos” (Chega dessa propaganda midiática que todos os dias matam a autoestima de tantas mulheres). Pare de julgar como puta a mulher que está com roupa curta e que beijou mais pessoas no último mês do que você o fez na vida. Chame o garçom e divida a conta do restaurante, do bar, mesmo que seu acompanhante seja homem. Mude. Aos poucos. No seu ritmo. Mas mude.

08 de março não é dia de celebrar a “feminilidade”, conceito bem difícil de entender ou precisar. Aliás, não vejo nem utilidade nos papéis de gênero.

É dia de celebrar as conquistas do feminismo e de repensar quão difícil é ser mulher. Não se cale. Fale mais alto. Seja mulher, seja homem. Só não seja machista.

E lembrem-se: a situação da mulher no mundo não é das melhores. Se a agenda dessa data começou com a luta de classes, hoje podemos estendê-la às mais diversas opressões que a mulher sofre no mundo: Trabalho mal remunerado, violência doméstica, grupos religiosos interferindo nas escolhas que ela faz sobre seu corpo, bullying virtual, assédio moral, assédio sexual, humilhações de diversas naturezas, exploração sexual, estupro, feminicídio e etc. E é exatamente em razão disso que o 8 de março é necessário: Porque não existe igualdade e ainda nos dão rosas em vez de respeito. 

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